O TRAÇO ESQUIZOIDE E O COMPONENTE CORPORAL DAS DEFESAS DE CARÁTER SEGUNDO A PSICOLOGIA CORPORAL
- Juan Pablo Lizana
- 31 de jul.
- 16 min de leitura
O TRAÇO ESQUIZOIDE E O COMPONENTE CORPORAL
DAS DEFESAS DE CARÁTER SEGUNDO A PSICOLOGIA CORPORAL
Juan Pablo Lizana Monreal
José Henrique Volpi
RESUMO
Na Psicoterapia Corporal, o desenvolvimento sadio do indivíduo no processo terapêutico pode ser percebido quando conseguimos facilitar o retorno do fluxo energético natural ao corpo do paciente. O retorno do fluxo acontece através da flexibilização das couraças musculares, que são compostas por estruturas de defesas que se organizam em traços característicos vivenciados em cada etapa do desenvolvimento. Pretendo destacar a importância de se dar a atenção necessária ao flexibilizar o traço esquizoide proposto por Alexander Lowen, através do entendimento de seu funcionamento e de ser um facilitador do processo psicoterápico quando trabalhamos a liberação dos bloqueios no corpo deste traço de caráter.
Palavras-chave: Caráter. Esquizoide. Psicologia Corporal. Couraças.
Sigmund Freud, em seus estudos sobre o desenvolvimento humano, observou que, ao longo da infância, diferentes partes do corpo se tornam centros de sensações e atenções afetivas. Ele chamou essas áreas de zonas erógenas, por entender que são elas que, em cada fase do crescimento (oral, anal, fálica, genital), concentram o foco de prazer e interação com o ambiente. Essas fases, segundo Freud (1905), não apenas organizam o desenvolvimento da sexualidade, mas também influenciam profundamente a formação da personalidade adulta, especialmente quando certas experiências são mal resolvidas ou marcantes demais.
Partindo dessa base, Wilhelm Reich (1988), que no início de sua trajetória esteve ao lado de Freud, levou essa compreensão para outro nível. Ele percebeu que essas experiências emocionais — agradáveis ou dolorosas — não ficam apenas na mente, mas se registram também no corpo. Reich observou que, à medida que a criança vivencia essas etapas do desenvolvimento, ela vai formando padrões de tensão muscular em resposta ao que sente e vive. Com o tempo, essas tensões se tornam crônicas e moldam não só o corpo, mas também a maneira como a pessoa se relaciona com o mundo. A esse padrão de organização entre corpo e comportamento, Reich deu o nome de caráter — uma estrutura que expressa, de forma única, a história emocional de cada indivíduo, visível tanto na forma física quanto nas atitudes e defesas que desenvolvemos ao longo da vida.
Segundo Reich:
O caráter consiste numa mudança crônica do ego que se poderia descrever como um enrijecimento. Esse enrijecimento é a base real para que o modo de reação característico se torne crônico, sua finalidade é proteger o ego dos perigos internos e externos [...] A própria couraça deve ser considerada flexível. Seu modo de reagir procede sempre de acordo como princípio do prazer e do desprazer. Em situações de desprazer, a couraça se contrai: em situações de prazer, ela se expande. (Reich, 1988, p. 207).
Reich chamou essa defesa de caráter, entendendo-o como uma espécie de defesa que se cristaliza ao longo do tempo. Ele descreveu o caráter como uma “mudança crônica do ego”, uma forma de endurecimento interno que surge para proteger a pessoa de dores emocionais e ameaças, tanto do mundo externo quanto do seu próprio universo interno. Com o passar das experiências, especialmente aquelas mais marcantes, o corpo vai se moldando a essas defesas, criando tensões que se acumulam em determinadas regiões. É assim que se forma o que Reich chamou de couraça muscular, uma estrutura única, desenvolvida de forma inconsciente, que reflete como cada um aprendeu a lidar com suas emoções. Essa couraça não se distribui de maneira aleatória: ela se organiza em segmentos circulares que envolvem o corpo como anéis, estendendo-se pela frente, pelos lados e pelas costas (Reich, 1988). Cada segmento guarda um pouco da história emocional daquela pessoa.
Os anéis segmentares da couraça muscular foram divididos em sete: ocular (cabeça, olhos, ouvidos, nariz e pele), oral (boca), cervical (pescoço), torácico (peito, tórax e braços), diafragmático (diafragma), abdominal (abdômen) e pélvico (pélvis e pernas). (Reich, 1998).
Cada segmento ou anel de couraça possui características comuns de funcionamento no corpo, de acordo com o bloqueio energético ocasionado no local do anel, implicando em uma utilização maior, menor, funcional ou disfuncional do aparelho e órgãos no local bloqueado. É no segmento ocular que se encontra o cérebro, responsável pela elaboração de nossas funções psíquicas e pelo comando das funções corporais e, é o elo de ligação de nosso corpo com o psiquismo. O bloqueio neste segmento é o que caracteriza o traço de caráter chamado esquizoide.
A justificativa de exploração deste caráter surge de minha necessidade pessoal, que apareceu em consultório, com o aumento da demanda de pacientes com características esquizoides que vieram para consulta. Assim, consequentemente, surgiu uma demanda pessoal minha para organizar estes processos psicoterápicos. A abertura ocasionada por essa demanda me colocou em contato direto com os meus traços e funcionamento esquizoide, em relação aos quais, com sinceridade, eu nutria um relutante preconceito. Consequentemente, no momento que fui explorando meus traços esquizoides, em meu processo psicoterápico individual, fui me abrindo a ter uma nova visão deste caráter, agora com um entendimento mais aberto e livre de preconceitos. Percebi também a potencialidade que este caráter traz para o conjunto em conseguir a integralização do ser. Esta percepção trouxe a necessidade de se trabalhar profundamente e calmamente, dispensando um tempo de maior paciência, com maior presença, buscando uma maior qualidade no vínculo para facilitar e auxiliar o cliente na flexibilização de sua couraça ocular.
Concomitantemente, percebo um facilitador no momento histórico atual para o estabelecimento de bloqueios no anel ocular e o aumento de pacientes com um funcionamento esquizoide. Houve um aumento do uso de aparelhos eletrônicos com estimulação visual e com incentivos em ganhos não completamente corporais, através de estímulos dopamínicos fáceis e rápidos, mas não totalmente satisfatórios que estes aparelhos trazem, em idades cada vez mais precoces. A facilidade de informação, muitas vezes incompleta e por vezes não verdadeira, que as mídias sociais e aparelhos eletrônicos, com seus aplicativos oferecem, a utilização da inteligência artificial em prol de manter a adicção e atenção constante nestes tipos de estimulação, e a explosão no aumento de possibilidades de utilização desses aparelhos, cada vez menos corporais, traz uma compensação e talvez uma satisfação para atender apenas a uma região do corpo, principalmente o anel ocular, o cérebro, os olhos os ouvidos, concentrando as ações corporais nesses processos.
A ideia de explorar este traço de caráter também passa pela percepção de meu preconceito com meus próprios traços esquizoides, talvez relacionados ao medo de perder a razão. Esta é uma sombra que pairou sobre nós desde os primórdios, um estigma colocado por uma sociedade que não sabia lidar com o ser humano e seus conflitos sem a utilização da razão e do pensamento analítico, este funcionamento histórico decorreu principalmente da vitória do pensamento cartesiano, que valorizava a razão na busca do conhecimento.
Facilitar o entendimento deste preconceito pôde facilitar a minha entrada saudável nesses traços esquizoides e auxiliar na flexibilização dessas couraças e dos bloqueios energéticos de meus pacientes. Através de meus desbloqueios, me sentia confiante em acompanhar e permitir o desbloqueio em meus pacientes.
Outro objetivo que tenho é auxiliar colegas e profissionais da área da saúde a terem uma melhor visão das características destes indivíduos e do funcionamento de seus próprios traços esquizoides. A flexibilização da couraça ocular abre caminho para facilitar a integração do ser com seus conflitos. Precisamos da razão em harmonia com os sentimentos e com as emoções.
Vamos nos aprofundar no que é o caráter esquizoide. Segundo Reich (1998) esse traço de caráter se forma em indivíduos que tem um bloqueio primordial no anel ocular, localizado na parte superior da cabeça, compreendendo a linha logo abaixo do nariz, orelhas e da nuca para cima. Os órgãos relacionados ao funcionamento do anel ocular que se encontram nessa região são o cérebro, os olhos, os ouvidos, o nariz e para além dessa região compreende a pele em todo o corpo.
O indivíduo que funciona no caráter esquizoide sofreu um bloqueio energético em um período de desenvolvimento denominado de Etapa de Sustentação (VOLPI; VOLPI, 2020), que é composta por 3 fases:
A primeira chama-se fase de segmentação ou clivagem e corresponde ao período que vai desde o momento da fecundação até a implantação do zigoto nas paredes uterinas, o que se dá por volta do quinto ao sétimo dia após a fecundação. Medo, estresse, angústia, ou qualquer outro tipo de emoção na mãe, podem alterar esse processo energético e dificultar ou impedir a sustentação e a nidação do zigoto nas paredes uterinas, explicando porquê muitos embriões não prosperam nessa etapa, acontecendo um aborto espontâneo que, na maioria das vezes, passa desapercebido pela própria mãe.
A segunda fase recebe o nome de fase embrionária e tem início com a implantação do zigoto, estendendo-se até o final do segundo mês de gestação. É importante considerar que qualquer situação estressante é capaz de ativar os mecanismos endócrinos maternos e interferir no desenvolvimento físico e energético do bebê, sendo esta uma situação que pode ser sentida pelo bebê como uma ameaça de aborto e até mesmo provocar a alteração das informações genéticas que são transmitidas de célula à célula por meio do DNA. Mesmo que não ocorra o aborto ou a alteração do DNA, esses registros ficarão armazenados na memória celular, resultando posteriormente na possibilidade de gerar sérios comprometimentos.
A terceira e última fase é denominada de fase fetal, cujo período se estende do terceiro mês de gestação até o décimo dia após o nascimento e segue até o final do desmame. Nesta fase, o bebê já é capaz de reagir aos estímulos auditivos, luminosos, gustativos, táteis e até mesmo olfativos e percebe reagindo ao meio ao seu redor. Assim, pode perceber como invasão um excesso de sensações desconfortantes do ambiente bem como o estresse materno na disposição da mãe em relação ao ambiente, como um desconforto com o parceiro, preocupação excessiva em atender as expectativas de seu nenê, dar conta da família, ameaças de aborto ou falta de acolhimento pós-natal. Estas situações geram registros celulares de insegurança existencial, refletidos em medo do contato e sintomas físicos como problemas de visão, audição, pele, enxaquecas e alergias.
É na Etapa de Sustentação que se evidencia o contato e a comunicação. O útero é o primeiro ambiente em que se encontra o bebê durante seu desenvolvimento físico, energético e emocional, onde o contato se dá com a mãe por meio de suas paredes e do cordão umbilical, que irá sustentar e nutrir o bebê, não apenas de forma fisiológica, mas também emocional e energética. É um contato não apenas corporal, mas também de energia e afeto entre a mãe e o bebê em formação. Esse contato, primeiramente com o útero e posteriormente com as figuras humanas de referência é indispensável ao desenvolvimento emocionalmente saudável do ser humano.
De acordo com Fenichel (citado por Lowen, 1982) define:
As pessoas que, sem portarem uma verdadeira psicose, exibem contudo traços isolados ou mecanismos do tipo esquizofrênico, foram denominadas “esquizóides”, “esquizofeniadas”, ou “esquizo-ambulantes”, ou similares. […] As circunstâncias é que decidirão se a disposição psicótica será provocada com mais intensidade, ou se será suavizada. (apud Lowen, 1982).
Segundo Lowen (1982) a presença dessa disposição psicótica, ao contrário de comportamento psicótico, é o que diferencia o caráter esquizoide do esquizofrênico. De acordo com Iark (2023), enquanto um indivíduo com esquizofrenia perde o contato do seu corpo com a realidade, o indivíduo esquizoide não percebe seu corpo de maneira “viva”, gerando uma sensação de desconexão em relação às pessoas e ao mundo, acontecendo uma dissociação entre imagem e realidade. Como experimentamos a realidade através das sensações do corpo, quanto mais sinto ele vivo, maior vai ser a percepção da realidade e nossa reação a ela.
Federico Navarro, discípulo de Reich que foi responsável por organizar o trabalho da Vegetoterapia Caracteroanalítica, nomeou o tipo caracterológico decorrente do encouraçamento do segmento ocular como Núcleo psicótico. Essa disposição psicótica deve ser compreendida em termos da Psicologia do Ego.
De acordo com Iark (2023), em nível corporal somos direcionados ao prazer e à satisfação de nossas necessidades, em nível egóico somos movidos por processos criativos e racionais, visando a aquisição de poder e transformação do ambiente. O ego sadio busca prolongar o prazer e solucionar as necessidades principais do corpo, enquanto o ego esquizoide busca a utilidade imposta ao corpo pelas suas organizações mentais e racionais, ficando assim, parecendo ausente de sua realidade corporal. Este conflito entre ego e corpo cria uma cisão, que faz com que o esquizoide, em busca de sua sobrevivência, faça o uso da mente sobre o corpo através de intelectualizações.
Segundo Lowen (1979), é um ego mais fraco do que o do caráter oral, como este é sucessivamente mais fraco do que o caráter rigido. Como destacam Lowen (1977) e Navarro (1996), o esquizoide não é psicótico, mas carrega uma "disposição psicótica" – um ego frágil, funcional, porém desconectado do corpo.
A principal função do segmento ocular é de contato – contato com o mundo exterior e a ligação com o mundo interior, psíquico. É a necessidade base de um ser que está se formando e se adaptando (nos seus primórdios biológicos), o que está relacionado a etapas precoces do desenvolvimento emocional. Esta fase de desenvolvimento está relacionada com a nossa chegada ao mundo e com as nossas primeiras referências de vida e das interações com quem estamos sendo cuidados. Essas experiências irão influenciar na forma como vamos nos relacionar com o mundo a nossa volta (DE NADAL, 2022).
A personalidade esquizoide funciona principalmente em questão de uma sobrevivência, pois essa é a grande dificuldade que teve que enfrentar na sua formação, nas suas vivências primitivas, e por isso está mais influenciado pelo que o envolve externamente: o ambiente, o contato, as intensidades sensoriais.
Como vimos, na Etapa de Sustentação:
O estresse vivenciado na vida embrionária pode atingir os genes, na fase fetal, pode atingir a pele, o aparelho auditivo e o circulatório. No pós-natal, o estresse vivenciado pode afetar os sentidos. O estímulo sensorial determina uma percepção, gratificante ou frustrante, o que gera uma resposta, parassimpática ou simpática. (NAVARRO, 1996, p. 26).
De acordo com Samsel (2023), o bloqueio energético ocorrido nesta fase, vai atrapalhar a percepção das sensações, pois facilita a cisão entre percepção e sensação. O encouraçamento afasta a possibilidade do contato, pois não permite o sentir, sentir a si mesmo e sentir o outro, o contato consigo mesmo e o contato com o outro. O funcionamento da couraça ocular relaciona-se ao medo do contato. Para não sofrer com a angústia causada pela aproximação desse contato, seja idealizado ou concreto, o indivíduo busca defesas utilizando concentrar sua energia nos órgãos do anel ocular. A energia fica aprisionada na cabeça, causando pensamentos confusos, racionalização, criando situações ilusórias e fantasiando possibilidades. O aproveitamento deste excesso de energia acumulada pode potencializar ou estressar a utilização dos órgãos do anel ocular. De um lado positivo, a capacidade criativa, planificadora é um ganho deste caráter. A razão começa a predominar sobre a emoção, sendo muito importante o entendimento de que existe uma dissociação entre percepção e sentimento, pois é o sentimento que transforma o que acontece em uma experiência.
Com esse entendimento podemos perceber a dificuldade em se relacionar com outras pessoas buscando o isolamento social e, também, a busca pelas facilidades modernas que estão facilmente ao nosso alcance com a abertura ao mundo virtual que temos hoje.
Segundo De Nadal (2022), o bloqueio ocular também pode ocorrer em outras fases da vida, através de conflitos familiares, de saúde, traumáticos ou consistentes, e podem auxiliar para que o indivíduo não entre em contato com a sua dor emocional, fazendo com que possa acontecer uma somatização na visão, audição, pele e outros órgãos. Assim, fazem parte das patologias associadas as crises psicóticas, os transtornos de dissociação, problemas de visão, epilepsia, dores de cabeça, cefaleia, alergias, problemas de pele e problemas do sistema auditivo. A doença é uma proteção frente ao sofrimento, é uma defesa de nosso organismo para lidar com um sentimento negativo ou que foi indesejável. A doença pode não ter sido a saída mais saudável, mas foi a que melhor encaixou em determinado momento de vida, podendo até ficar crônica e não mais ser percebida.
Como citado anteriormente, de acordo com Samsel (2023), o caráter esquizoide está associado a conflitos precoces de sobrevivência e proteção, geralmente ligados a ameaças percebidas no primeiro ano de vida (como rejeição, invasão ou falta de acolhimento). Reflete portanto uma estrutura defensiva primária contra ameaças precoces de invasão, abandono ou ruptura do vínculo. Essa defesa se manifesta tanto na psique quanto no corpo, criando um padrão de desconexão, rigidez e proteção extrema (Volpi, 2008).
A Psicologia Corporal oferece ferramentas valiosas para entender como traumas precoces se cristalizam no corpo, auxiliando em intervenções terapêuticas mais integrativas. Destaco também a importância da leitura corporal que contribui para o diagnóstico e tratamento de estruturas esquizoides.
De acordo com Burras (2023), a estrutura do corpo do esquizoide se apresenta como um corpo alto, estreito e contraído. As couraças musculares no esquizoide refletem uma desconexão entre afeto e movimento e nos passa a sensação "de não estar em contato com o corpo”. A base do crânio é geralmente tensa, na nuca, como se estivesse "separando a cabeça do corpo" e percebe-se um olhar vazio ou distante, denotando a dificuldade de contato visual profundo. O esquizoide muitas vezes vive "na cabeça", com dificuldade de sentir plenamente as sensações físicas ou emoções corporais.
A sensação de fragmentação aparece através de uma rigidez segmentar, especialmente em articulações (joelhos, cotovelos, pescoço), como se o corpo estivesse "desmontado" e a postura pode ser desorganizada ou desengonçada, braços e pernas esticados e rígidos. O tronco parece desconectado da pélvis, percebe-se uma energia retraída e contrações musculares com músculos tensionados (especialmente os flexores) que mantêm o corpo em estado de contração crônica, como uma defesa contra ameaças externas e proteção contra o contato.
As extremidades das mãos e do pés ficam frias e podem indicar uma circulação sanguínea reduzida, simbolizando o afastamento do contato afetivo e a dificuldade de "aterrissar" no mundo real. Os gestos são contidos evitando expansão, como se qualquer movimento excessivo fosse perigoso.
A respiração é superficial, mantendo o diafragma congelado, pois há um medo inconsciente de "invasão", demonstrando um deslocamento da energia do corpo para o núcleo visando sobrevivência. Inspirar profundamente pode ser sentido como perigoso, assim o organismo mantém a mínima respiração evitando plena expansão torácica.
A voz pode ser baixa ou monótona com a dificuldade de modular a emoção na fala, refletindo a dificuldade de expressão emocional plena. O olhar "distante" ou desfocado, com os olhos parecendo ausentes ou com dificuldade de manter contato visual prolongado, simbolizando uma fuga para o mundo interno, já que o externo é sentido como ameaçador.
Existe uma proteção do centro vital (coração e abdômen), o peito pode estar retraído como se protegendo de dores emocionais, e o abdômen contraído evitando a conexão com as emoções mais primitivas, ombros curvados para frente denotando uma postura de proteção contra ameaças.
No processo terapêutico, vamos acabar fazendo este movimento em direção aos traços esquizoides de nossos pacientes, é inevitável. O traço esquizoide nos alerta do quanto nossa intensidade e profundidade está sendo aproveitada na terapia, medida de acordo com o quanto o cliente está presente, sem dissociar ou “fugir” das sensações reais do conteúdo que está sendo trabalhado em sessão ou que está no caminho do processo terapêutico.
A Psicoterapia Corporal busca reconectar o indivíduo com seu corpo, dissolver as couraças musculares que impedem o fluxo energético e emocional, restaurar a confiança no contato físico e emocional, trabalhando limites e segurança. Intervenções corporais (como exercícios de grounding, respiração e movimento) podem reintegrar a experiência somatoemocional.
O esquizoide não tem a sensação plena de corporificação, funciona muito no nível ocular, nos pensamentos. A corporificação traz a sensação para a realidade. Levar em consideração o componente corporal é considerar que a flexibilização da couraça muscular é um meio de contato do paciente com a conscientização de suas defesas. Levar a conscientização do corpo é facilitar ao paciente experimentar trazer a consciência para o corpo. Trazer as sensações para o corpo é tornar o próprio corpo uma realidade. Lowen (1988) traz uma solução-chave ao tratamento terapêutico do caráter esquizoide. Primeiro, provocar sensações de corpo para que haja a identificação consigo mesmo; em seguida, explorar a profundidade e o alcance do movimento expressivo do paciente e finalmente desenvolver o relacionamento corpo e objeto. Em resumo, é um trabalho voltado a fortalecer e desenvolver o ego corporal e é também uma maneira de buscar o reequilíbrio do temperamento. O temperamento é a maneira interna de ser e agir de cada pessoa, o fator pessoal, individual e o aspecto somático de cada pessoa. São as ações e reações diferenciadas de cada pessoa dentro de sua estrutura de caráter e couraça caracterológica e muscular. O temperamento é formado em vivências primitivas.
Trabalhar o grounding na Bioenergética é trazer presença e contato com o chão. É trazer para a nossa realidade corporal, trazer a consciência para o nosso corpo. Também é fazer descer os sentimentos do nível cerebral para o corporal, corporificando os sentimentos, transformando-os em realidade, onde possam ser sentidos. Trabalhar a descida da energia da cabeça para o chão é trazer as sensações para a realidade.
Entrar em contato sempre vai ser necessário. Nosso trabalho vai depender do quanto podemos entrar em contato com os nossos sentimentos e com os sentimentos de nossos clientes. Consequentemente, vai ser facilitar o “entrar em contato” de nossos clientes. Este contato com o cliente é o “brilho” de entrada e aproximação que percebi no meu processo psicoterápico quando pude soltar tensões crônicas e me perceber entrando em contato comigo mesmo e que busco encontrar na conexão com meus clientes.
Na minha experiência profissional, em um atendimento com um paciente com Transtorno de Espectro Autista (TEA) nivel 1, pude perceber o “pulo” na confiança dele mesmo, quando ele permitiu receber massagem que foi realizada de maneira gradual. As sensações que ele pôde ir percebendo no seu corpo e falando sobre, deram abertura a uma confiança na relação terapêutica e permitiu um trabalho corporal em pé. Foi essencial para que ele retomasse a sua confiança e reconhece-se a sua força interna em experimentar novas situações em seu cotidiano social.
O corpo do esquizoide "fala" através de sua rigidez, fragmentação e retração, revelando uma história de defesa contra um mundo sentido como invasivo ou hostil. Os traços esquizoides que encontramos em nosso clientes e em nós, também nos revelam essas defesas. Deter-se em um cuidado para desbloquear estes traços esquizoides que aparecem no decorrer do processo psicoterápico nos ajudam a facilitar a que o cliente entre em contato com suas defesas que o impedem de evoluir e se permitir experimentar a integração de seu ser.
A Psicologia Corporal ajuda a trazer essa comunicação inconsciente para a consciência, permitindo uma reintegração entre corpo e psique, realizando a reconexão com o corpo. Através das ferramentas da Bioenergética e da Vegetoterapia encontramos alternativas de facilitar esses contatos com o corpo. Exercícios de grounding (para trazer a consciência de volta às sensações físicas), a liberação da respiração (para trabalhar a expansão torácica e reduzir o medo de "invasão"), o contato seguro através do toque de forma gradual (para reconstruir a confiança no mundo externo) e outras várias alternativas que busquem facilitar a expressão emocional, como trabalhar as expressões faciais e corporais através de caretas e movimentos do corpo ajudam a dissolver essas couraças, permitindo que a energia vital fluía novamente e que o indivíduo se sinta mais inteiro e presente.
O corpo do esquizoide é a expressão física de seu isolamento psíquico e o traço esquizoide se estrutura no corpo como uma couraça de proteção, marcada por desconexão, retração energética. Podemos oferecer a nosso clientes esquizoides ou com traços esquizoides um caminho para reintegração somatoemocional restaurando o fluxo vital e a confiança no contato, através da inclusão da dimensão corporal no atendimento e tratamento.
REFERÊNCIAS
FREUD, S. Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. São paulo: Imago, 1905.
LOWEN, A. O Corpo em terapia: a abordagem bioenergética. São Paulo: Summus, 1977.
LOWEN, A. O corpo traído. São Paulo: Summus, 1979.
LOWEN, A. Bioenergética. São Paulo: Summus, 1982.
NAVARRO, F. Metodologia da Vegetoterapia Caracteroanalítica: sistemática, semiótica, semiologia, semântica. São Paulo: Summus, 1996.
DE NADAL, L. O segmento ocular. In: OLIVEIRA, J. (Org.) Flexibilizando a couraça muscular: a disposição segmentar da couraça. Recife: Libertas, 2022, p. 33 a 51.
REICH, W. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Módulo 1, Aula 3. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.
BURRAS, J. Os tipos de caráter bioenergéticos de Alexander Lowen conforme interpretados por Jon Burras. Tradução e revisão de: Sandra Mara Dall’Igna Volpi. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Módulo 3, Unidade 2. Curitiba: Centro Reichiano, 2023.
IARK, E. F. M. M.; VOLPI, S. M. D. “O corpo traído” (Alexander Lowen, 1967). In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Módulo 3, Unidade 2. Curitiba: Centro Reichiano, 2023.
SAMSEL, M. Atitudes caracteríscas do Criador (Esquizoide). Tradução de: Sandra Mara Dall’Igna Volpi. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Módulo 3, Unidade 2. Curitiba: Centro Reichiano, 2023.
AUTOR E ORIENTADOR/A
Juan Pablo Lizana Monreal / Porto Alegre / RS / Brasil
Psicólogo (CRP-07/29804) (Unimarco-SP). Especialista em Psicologia Corporal, com habilitação para atuar como Psicoterapeuta e Analista Corporal de abordagem reichiana e bioenergética, pelo Centro Reichiano, Curitiba/PR.
E-mail: juanpablolizanamonreal@gmail.com
José Henrique Volpi / Curitiba / PR / Brasil
Psicólogo (CRP-08-3685), Especialista em Psicologia Clínica, Anátomo-Fisiologia, Hipnose Ericksoniana, Psicodrama e Brainspotting. Psicoterapeuta Corporal Reichiano, Analista psico-corporal Reichiano formado com o Dr. Federico Navarro (Vegetoterapia e Orgonoterapia). Especialista em Acupuntura clássica e Método Ryodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição da energia dos meridianos do corpo). Mestre em Psicologia da Saúde. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento.
E-mail: volpi@centroreichiano.com.br
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